Vem aí: "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos"

A peça "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" une lirismo e histeria 


Espetáculo conta a trama de desventuras das três mulheres com problemas amorosos
Em janeiro passado, Miguel Falabella fez uma rápida passagem por Londres, onde pesquisaria os cenários do musical Annie, que seria montado ao longo do ano, mas, por ora, está sem data prevista. Aproveitando uma brecha na agenda, ele foi assistir a outro espetáculo do gênero, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, inspirado no filme que tornou Pedro Almodóvar conhecido mundialmente, em 1988.
No intervalo, ele ligou para o produtor Sandro Chaim, que estava interessado em montar o musical no Brasil, com o próprio Falabella no comando artístico. “Eu disse a ele que não estava gostando de nada”, conta o ator/diretor. “Mas, antes que Sandro desanimasse totalmente, eu completei: ‘Vamos montar, pois já sei o que não fazer.”
O resultado estreia no dia 14 de novembro, no Teatro Procópio Ferreira. E ali está a essência do filme: a história de três mulheres com problemas amorosos se cruza e revela toda a complexidade dos relacionamentos e da vida feminina. Pepa (Marisa Orth), uma atriz que guarda em segredo sua gravidez, é abandonada pelo amante, Ivan (Juan Alba), e se vê desamparada. Candela (Helga Nemeczyk), sua melhor amiga, se apaixona por um terrorista e decide pedir ajuda à sua confidente, temendo parar na cadeia como cúmplice. Lúcia (Totia Meireles), mulher do amante de Pepa, resolve se vingar do ex­marido nos tribunais depois de ter sido deixada por ele. 
O musical não fez sucesso em Londres nem em Nova York. A justificativa é simples, segundo Falabella: “O inconsciente anglo­saxão não percebe que essa loucura vivida por essas mulheres não faz parte do universo de ingleses e americanos”, acredita. “Elas não são aquele tipo que, traídas, saem à noite atrás do marido ­ elas mandam o advogado fazer isso. São racionais, não passionais.” 
É justamente esse detalhe que Falabella considera decisivo sobre a expectativa de sucesso em relação à montagem brasileira. “Tenho certeza que o nosso público saberá fazer a leitura correta”, aposta.


Para isso, foi essencial a definição do elenco correto. E Falabella conta não ter tido problemas. “Marisa Orth já era almodovariana antes mesmo de conhecermos o Almodóvar, nos anos 1980”, brinca. “Além do excelente timing para essa comédia frenética, ela também sabe interpretar.”
Marisa concorda. “Gosto de fazer tipos patéticos como a Pepa, é um papel que nem sinto que estou interpretando”, conta a atriz, confortável em encontrar inspiração. “A minha Pepa tem um pouco de uma tia, outro tanto de uma amiga, enfim, de pessoas que conheço. Por isso que é tão natural.”
O que ela mais admira no musical é o amor descarado que Almodóvar devota às mulheres. “Há um carinho explícito, um tratamento gentil aos problemas apresentados pelas personagens femininas. Para se entender essa relação, é preciso acreditar que nada do que acontece em cena é anormal.”
O mesmo raciocínio é adotado por Totia Meireles, que vive Lúcia, a ex­mulher de Ivan que ficou duas décadas presa por causa dele e agora, liberta, busca vingança. “A loucura de Lúcia é diferente da de Pepa”, acredita. “Enquanto a amiga é naturalmente louca, Lúcia é uma louca de remédio, graças à enorme medicação que ela toma ao longo do dia.”
Para compor seu personagem, uma mulher imprevisível, que alterna carinho com sopapos em apenas um segundo, Totia passou a acreditar que uma mulher abandonada é capaz de fazer qualquer ato. “Ela pode tudo; para uma louca, não há limites”, afirma ela, que tem um grande e belo número solo: no tribunal, Lúcia não pede uma indenização em dinheiro. “Quero os 20 anos que perdi na prisão”, diz, categórica. “É uma exigência absurda, pois não se recupera tempo, mas, como temos a mesma latinidade de Almodóvar, é possível entender essa reivindicação.”


Experiente em musicais ­ protagonizou Gypsy, em 2010, e ofereceu uma interpretação antológica ­, Totia conta ter estranhado as canções de Mulheres..., criadas por David Yazbek. “São todas tortas, ou seja, as notas não são óbvias ­ quando se espera que vá para o que seria um caminho natural, a melodia surpreende e vai para outro lado. Isso exigiu ensaios mais demorados.”
Falabella, que assina a versão brasileira, concorda. “Yazbek entende de música latina, assim, o espetáculo é recheado de bossa nova, rumbas, mambos. Mas são canções sofisticadas, próprias para um musical, ou seja, ajudam a contar a história. Isso tornou o trabalho ainda mais difícil.”
Juan Alba, que vive Ivan e aparece menos no primeiro ato (“Ele é mais motivo de conversa entre as mulheres”), também buscou novos caminhos vocais para o papel. “Ivan tem um tom mais grave, do qual não estou habituado”, explica o ator, que criou um carinho especial pelo personagem. “Ele é um cafajeste, mas é também um homem carinhoso ­ esse tempero latino é o diferencial do espetáculo.”
Ao observar o texto de Jeffrey Lane, inspirado no original de Almodóvar, Alba notou momentos visionários. “O filme é da década de 1980, mas já mostrava como os relacionamentos são fugazes, precárias, exatamente o que acontece nos dias atuais, quando a tecnologia cada vez mais avançada obriga as pessoas a viverem realmente à beira de um ataque de nervos”, observa. “É comum a loucura compensar a carência afetiva, seja pessoal, seja no trabalho.”
De fato, o tom é tão moderno que Miguel Falabella não se preocupou em atualizar e abrasileirar a versão que estreia aqui, o que habitualmente faz. “A trama se passa em Madri e em 1987, como no filme”, anuncia ele que, ao contrário da montagem inglesa, marcada por cenários minimalistas e figurinos em tom pastel, apostou na explosão das cores fortes, às vezes berrantes até demais, das roupas, além dos penteados cafonas, típicos daquela década. Foi essa orientação que passou para o figurinista Fabio Namatame e o coreógrafo J. C. Serroni.
“Mesmo se passando na Espanha, a história tem elementos que faz lembrar São Paulo ou Rio de Janeiro”, acredita ele. De fato, Almodóvar retrata a Madri pós­ditadura franquista do início dos anos 1980, quando a resposta ao sufoco se traduziu em uma mistura de drogas, boemia e liberalidade sexual. Era a chamada Movida Madrileña, movimento de contracultura que marcou os anos de transição.
Assim, não é de se estranhar que, em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, não faltem a histeria, a obsessão e o drama de mulheres intensas e cheias de personalidade que chegam ao seu limite psicológico. “É algo risível, mas profundamente humano”, define Falabella.



MULHERES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Teatro Procópio Ferreira. Rua Augusta, 2.823, tel. 4003­1212. 
5ª e 6ª, 21h; sáb., 17h e 21h; dom., 16h. R$ 50/ R$ 200. Até 14/2. Estreia em 14/11

ATUAÇÕES DE DESTAQUE
1) no solo de Helga Nemeczyk, que vive Candela, melhor amiga de Pepa: desesperada, ela deixa uma série de mensagens na secretária eletrônica, que Helga revela em uma canção de fôlego e plena de dramaturgia.
2) no casal Carlos (Daniel Torres), filho de Lúcia, e Marisa (Carla Vazquez), que se envolve na confusão quando ela bebe, por engano, um sonífero preparado por Pepa.
3) na variação de ritmos do espetáculo, que conta com a direção musical de André Cortada: da bossa nova para o rambo, bastam alguns segundos.
4) na atuação de Ivan Parente, especialmente quando, no início do espetáculo, apresenta a tresloucada Madri de 1987 no papel de um motorista de táxi.
5) no humor nervoso e preciso de Marisa Orth e Totia Meireles ­ no papel de duas mulheres que explodem por qualquer motivo, elas revelam o timing perfeito de como se fazer graça.
6) no adorável canalha vivido por Juan Alba: mesmo errado, Ivan convence de seus motivos.

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Fonte: Estadão
Leia Mais:http://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,peca-mulheres-a-beira-de-um-ataque-de-nervos-une-lirismo-e-histeria,10000000968
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